terça-feira, 21 de julho de 2009

Dias da tv

Desde há uns tempos que se forma no meu estômago uma azia enorme, quando chego todos os dias ao trabalho e vejo no lcd da entrada os programas da manhã dos canais portugueses. Nem me quero dar ao trabalho de pensar no conteúdo desses programas, nem sei de que é que se fala durante manhãs e tardes inteiras, nem me interessa saber qual a terrinha contemplada do dia. O que me tem afectado o estômago é mesmo o infinito tempo de antena que se dá às Jessicas, às Romanas, às Vanessas, aos Vanderleis e o raio, "músicos" de dois acordes e de rimas fáceis e de trocadilhos balofos com palavras tipo "cacete", "apitadelas", ou abordagens mais sócio-antropológicas do género "sou latina, morena orgulhosa, sou latina", ou então letras mais emocionais e psicóticas tipo "ou eu ou ele, escolhe os meus braços ou volta para o teu velho amor". Enfim. Cansa-me , desespera-me. Sei que grande parte desse espólio de artistas surge efectivamente porque estes programas existem. As televisões, aqui, em nada ficam atrás das rádios provincianas que emitem com eco e têm o talho da aldeia como patrocinador do programa mais ouvido. Gosto muito mais dessas rádios, porque pelo menos não enganam ninguém, é aquilo e pronto. Não apregoam valores de qualidade de conteúdos, não citam a excelência nem evocam missão de serviço público.
Esta manhã, depois de uma loira roliça e parola repetir 50 vezes o mesmo refrão, enquanto povo e apresentadores se abanavam freneticamente, o programa mostrou uma reportagem sobre umas termas ali perto. A reportagem era em jeito de postal turístico, mas salvou-me a manhã. De fundo, algum iluminado fez com que se ouvisse a Rebellion (Lies) dos Arcade Fire. Nem achei que aquela música ficasse assim tão bem naquela reportagem, mas percebi que quem a sonorizou também deve andar revoltado, com azia, como eu. No cantinho escuro de uma ilha de montagem, alguém deu o seu grito do ipiranga.

3 comentários:

Arwen Heathcliff disse...

Será o mesmo espírito contestatário o responsável pelo concurso do "Funeral de sonho" numa rádio de província a norte do país?

bonifaceo disse...

A RTP1, nesse tipo de programas, em termos de conteúdo, parece-me ser melhor que a concorrência, embora não veja, mas por acaso em termos musicais, presenciei há poucos dias que era igual ou parecido.

Anônimo disse...

bem, o meu sonho digo-te já que era sonorizar alguma coisa e alguém reparar e fazer uma leitura mais profunda disso, como fizeste neste caso.
Lembro-me de uma série de vezes em que coloquei aquela música do cacete - para não fugir ao contexto do léxico - até que ao fim de algum tempo percebi que não vale a pena pensar que alguém repara ou sequer consegue ler a segunda camada de sentido que quem sonoriza pode querer dar. Ou a coisa é óbvia, ou então não chega lá.
silvio